número 112
recolhe os bilhetes de combóio e autocarro que trago das minhas viagens.
inspirado em laura brown, de 'as horas' (michael cunningham)
o-que-vai-morrer: eu vi cada ruga do teu rosto nascer, ganhar forma, macerar mais e mais a tua pele indefesa.
o-que-vai-nascer: e viste mais do que isso: viste como os humores, dentro de mim, volviam, rodopiavam, o tufão que se fez deles e o que ele fez de mim!
o-que-vai-morrer: e agora dizes-me que vais à vida, que tens a estrada aberta à tua frente... que vais ser tu, finalmente, noutro sítio onde não te conheçam nem te conheças vícios. e fica quem com eles? eu, agarrado a eles, qual camisa que tenha rompido do teu corpo, com a excitação da tua partida? recuso esse destino, tenho o direito de lutar pelo que acredito, e acredito em ti, em mim, no nós que se vem tornando cada vez mais um eu. não quero que te vás. despedaçar-me-ás.
o-que-vai-nascer: é inevitável. mesmo que fique, parto. mais não posso ficar, não me encontro, não me revejo, não... assisto a uma vida que se desenrola, de fora, represento... posso lá viver assim! tens amado um fantasma todos estes anos... e esse fantasma vai, agora, reencarnar... não me arranques à vida, por favor! sabes que faria tudo por ti, não me peças para abrir mão da vida!
o-que-vai-morrer: quando disseres adeus, vais estar a pegar-me na mão, a fazer-me agarrar numa arma e metê-la na boca. e vais puxar o gatilho.
o-que-vai-nascer: ...eu não quero que morras...
(longo silêncio)
o-que-vai-morrer: renuncio à vida para que tu nasças e para que tenhas a oportunidade de sentir, noutro sítio, o arrebatamento de amar alguém como eu te amei a ti, sem máscaras, real e puramente. não há nada a fazer, mostras a obstinação de uma erva daninha. vai. vai. percorre por ti, e de uma vez, a vagina da mãe-Árvore, ela que te pára, no meio das ervas.
o-que-vai-nascer: não voltarás, do submundo, para vingar a tua vida?
o-que-vai-morrer: qual vida? a que levarás agarrada a ti, como uma segunda pele, que federá sempre?
o-que-vai-nascer: acreditas nisso?
o-que-vai-morrer: sei-o, também eu levei toda esta vida na minha pele a vida de alguém que deixei para trás, também ouvi as súplicas, húmidas, e sei a que fede essa capa inevitável, ao pavor de saber que a felicidade se encontra, muitas vezes, longe dos que nos amam, muito longe, onde as suas vidas não chegam intactas, coladas às suas próprias peles.
num arrepio de curiosidade
j.m. coetzee, desgracia.
em frente ao espelho, nada mais se vê do que as minhas lágrimas. brotando de fonte incerta, rolam pelo ar, nas saliências da minha cara, e desaparecem em breves instantes.
actriz em papel principal:
penélope cruz em volver (pedro almodóvar, 2006)
ellen page em hard candy (david slade, 2005)
yuanyuan gao em qing hong - sonhar com xangai (xiaoshuai wang, 2005)
felicity huffman em transamerica (duncan tucker, 2005)
charlize theron em north country (niki caro, 2005)
actor em papel principal:
yûya yagira em dare mo shiranai - ninguém sabe (hirokazu koreeda, 2004)
presley chweneyagae em tsotsi (gavin hood, 2005)
cillian murphy em breakfast on pluto (neil jordan, 2005)
jake gylenhaal em brokeback mountain (ang lee, 2005)
leonardo dicaprio em the departed (martin scorsese, 2006)
actriz em papel secundário:
frances mcdormand em north country (niki caro, 2005)
rinko kikushi em babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)
blanca portillo em volver (pedro almoodóvar, 2006)
scarlett johansson em match point (woody allen, 2005)
adriana barraza em babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)
actor em papel secundário:
brad pitt em babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)
jesse eisenberg em the squid and the whale (noah baumbach, 2005)
george clooney em syriana (stephen gaghan, 2005)
john hurt em shooting dogs (michael caton-jones, 2005)
matt dillon em crash (paul haggis, 2004)
venham mais em 2007! :)
à imagem de outros blogs e eminentes bloguistas (prepúcio com queijo, por exemplo), decidi fazer uma lista dos meus 10 filmes preferidos que passaram, no ano transacto, pelas salas de cinema portuguesas. não é um ranking dos melhores de 2006, porque muitos deles não são, sequer, de 2006, mas dos filmes que mais gostei de ver (entre risos, lágrimas, consciência política, ambiental e social, arrepios e all stars):
'vou viver
vou dormir e amanhã vou acordar, não com vontade de viver, mas a viver, efectivamente.