a mão e o peão.

Wednesday, January 31, 2007

número 112

quero poder dizer que esperei. que não sucumbi à força aterradora do prazer imediato mas, antes, me deixei seduzir pela incerteza e pelo jogo. naturalmente, como qualquer início, sem pressas. e os castelos, que faço com eles? continuo a construí-los, como sempre fiz? ao entregarmo-nos depressa, de uma coisa ficamos certos (ou julgamos ficar, o que, para o efeito, vai dar no mesmo): os castelos aguentam-se. assim... prefiro nem pensar. prefiro ser o animal que sempre quis ser, a viver do presente, a seguir pelos segundos, a ser fluido e sólido, ao mesmo tempo, cada vez mais aqui e em progressão. sem trambolhões e afinando a direcção a cada instante. é assim que me planeio - e, ao planear, estou já a destruir essa possbilibidade.

Sunday, January 28, 2007

post mortem

recolhe os bilhetes de combóio e autocarro que trago das minhas viagens.
fecha as gavetas,
não quero que a disponibilidade das coisas camufle a sua preciosidade.

recolhe os quadros e os cartazes das minhas peças.
recolhe as fotos nas molduras, nos envelopes, nas caixinhas.
recolhe todos os objectos que toquei em vida,
que guardam as minhas impressões e escamações da pele,
que assinam a minha memória neste mundo,
que permanecerão.

recolhe as ideias que pereceram na necrose global que operou em mim.
recolhe os cheiros das peles que conheci.
recolhe as lágrimas que não deitei mas que senti.
os sorrisos públicos, os sorrisos privados, aqueles que nem eu vi.

leva tudo e guarda contigo.
não deixes que alguma vez se apaguem os meus trilhos vincados.

Saturday, January 27, 2007

a vida e a pele

inspirado em laura brown, de 'as horas' (michael cunningham)

o-que-vai-morrer: eu vi cada ruga do teu rosto nascer, ganhar forma, macerar mais e mais a tua pele indefesa.

o-que-vai-nascer: e viste mais do que isso: viste como os humores, dentro de mim, volviam, rodopiavam, o tufão que se fez deles e o que ele fez de mim!

o-que-vai-morrer: e agora dizes-me que vais à vida, que tens a estrada aberta à tua frente... que vais ser tu, finalmente, noutro sítio onde não te conheçam nem te conheças vícios. e fica quem com eles? eu, agarrado a eles, qual camisa que tenha rompido do teu corpo, com a excitação da tua partida? recuso esse destino, tenho o direito de lutar pelo que acredito, e acredito em ti, em mim, no nós que se vem tornando cada vez mais um eu. não quero que te vás. despedaçar-me-ás.

o-que-vai-nascer: é inevitável. mesmo que fique, parto. mais não posso ficar, não me encontro, não me revejo, não... assisto a uma vida que se desenrola, de fora, represento... posso lá viver assim! tens amado um fantasma todos estes anos... e esse fantasma vai, agora, reencarnar... não me arranques à vida, por favor! sabes que faria tudo por ti, não me peças para abrir mão da vida!

o-que-vai-morrer: quando disseres adeus, vais estar a pegar-me na mão, a fazer-me agarrar numa arma e metê-la na boca. e vais puxar o gatilho.

o-que-vai-nascer: ...eu não quero que morras...

(longo silêncio)

o-que-vai-morrer: renuncio à vida para que tu nasças e para que tenhas a oportunidade de sentir, noutro sítio, o arrebatamento de amar alguém como eu te amei a ti, sem máscaras, real e puramente. não há nada a fazer, mostras a obstinação de uma erva daninha. vai. vai. percorre por ti, e de uma vez, a vagina da mãe-Árvore, ela que te pára, no meio das ervas.

o-que-vai-nascer: não voltarás, do submundo, para vingar a tua vida?

o-que-vai-morrer: qual vida? a que levarás agarrada a ti, como uma segunda pele, que federá sempre?

o-que-vai-nascer: acreditas nisso?

o-que-vai-morrer: sei-o, também eu levei toda esta vida na minha pele a vida de alguém que deixei para trás, também ouvi as súplicas, húmidas, e sei a que fede essa capa inevitável, ao pavor de saber que a felicidade se encontra, muitas vezes, longe dos que nos amam, muito longe, onde as suas vidas não chegam intactas, coladas às suas próprias peles.


Thursday, January 25, 2007

número 109

nestes últimos dias, tenho conhecido pessoas tão interessantes e tão boas que, agora que encosto a cabeça na almofada, não posso conter um sorriso genuíno. humildemente, sinto que isto é viver e por isto vale tanto a pena estar vivo e ter olhos e ouvidos, para ficar a vê-las e ouvi-las, bebendo as suas palavras e sendo embalado nos seus sorrisos e amabilidades sinceros.
queria escrever, concretamente, sobre os lugares e as circunstâncias mas qualquer palavra me parece insuficiente e o meu estilo inapropriado e minimizante.
obrigado. ao joão, à luísa, ao filipe, à sara, ao bruno, ao pedro, à grace, à diana, à ana maria (no restaurante ao martim moniz, o agito no bairro alto, a cozinha do filipe, o frágil às escuras). é tudo. e não é nada pouco.

Monday, January 22, 2007

frágil

dia 24, quarta-feira, haverá uma festa no frágil, do movimento médicos pela escolha, para angariação de fundos, suponho para a luta pelo SIM no referendo de 11 de fevereiro. Incluirá leitura de poemas, por João Grosso, uma performance do GTIST e um dê jota que passa música dos anos 80. portanto, meninos e meninas, fachabor de vir. tenho dito.


past waters

hoje, tenho trabalho a fazer. dentro de mim, há pontas soltas que nunca se atarão, umas quantas folhas dispersas, à espera de uma gaveta onde fiquem empilhadas.
preciso falar-te. preciso dizer-te e fazer-te saber. não quero que te vás embora sem a certeza do que sinto por ti (não esta banalidade das palavras 'do que sinto por ti'. estas palavras que são aquelas que todos dizem, não são essas que digo, são outras, com o mesmo som, os mesmo grafemas e os mesmos fonemas, mas tão mais elas: ora, ouve lá: 'do que sinto por ti'). não quero ficar a pensar nas inúmeras hipóteses do que podes levar contigo e do que podes deixar comigo. não quero corroer-me a pensar que sou uma merda, porque sou, e ainda mais porque pondero a possibilidade infame de que tu possas gostar de mim (de novo, lê-as como se nunca as tivesses ouvido). quero as coisas estabelecidas, assentes e claras. e, no entanto.
o pó da estrada já acamou, depois de passarem as rodas do teu carro. outra cidade te espera, outras pontes e outros laços. eu fui alguma coisa? lembrar-me-ás, sequer, daqui a dois anos, quando estiveres a contar a tua vida sexual a alguém, num género de soirée confessional?
ou serei a luz dos teus olhos? aposto que tremes, agora, que conduzes, ao recordar os meus lábios depostos no teu pescoço. aposto que tremes, malander.
entretanto, eu vou-me tornando cada vez mais pesado. a cada manhã. em cada instante, numa aula, no metro, andando na rua, quando olho para dentro, vejo-te a ti. a rejeição dói comó caralho. apanho-me a nem sequer querer ter-te conhecido.

Thursday, January 18, 2007

a tallinn

num arrepio de curiosidade
transponho os portões de viru.
o sol acabou de nascer
num ano qualquer do século XIII
e eu estou lá.

cidade de Histórias
de amores furtivos que se adivinham nos becos
de amores românticos e estilizados,
simples. e voláteis.

as calçadas que piso
que os burros pisam
numa pressa que não é a deles,
serviram de rio a quantas senhoritas, de pés pequenos e firmes,
que corriam com recados de moços sóbrios,
para damas de pés frágeis que os aguardavam, em êxtase?

para quantos mercadores, de portos longínquos,
foram elas suporte de especiarias e tecidos exóticos?
para quantos jograis, de encarnado e amarelo,
foram palco, onde os malabarismos desmoronavam,
onde as notas de uma canção medieval
ressoavam e se reinventavam?

para quantos reis, imperadores e czares,
foram elas campo de batalha, terra conquistada,
promessa de ouro, e beleza do norte?
para quantos anónimos, a quem elas pertenciam mais do que tudo,
foram última queda, cemitério?

em tempos de erotismo, do diabo, de alquimias e fogueiras,
estas torres, do alto delas, quem viu o quê?
perco-me, e o sol já se põe.
quantas vezes se pôs o sol em Tallinn, e quantas pessoas,
vestidas de que maneira, o olharam como eu olho,
pensando o mesmo que eu penso, agora?

setembro de 2004

Wednesday, January 17, 2007

ofende-me que eu gosto

será que tudo o que nos ofende não tem o seu quê de verdadeiro? a célebre 'picada'? eu imagino-me a ser presenteado com um tentativa de ofensa absolutamente estapafúrdia, tipo 'és um fascista de merda' e a única coisa que se me oferece fazer é rir. no entanto, outras haverá que, embora menos graves de conteúdo, poderiam ferir-me muito mais. será que as palavras só se tornam verdadeiramente ofensas quando tocam nos nossos campos de insegurança? naquilo que não queremos muito bem definir, mas temos medo do que poderá ser? no que, todos os dias, negamos existir em nós ou dizemos aos nossos amigos, só para que eles contestem e neguem? a uma pessoa com os olhos bonitos, por exemplo, ofenderia, em princípio, muito menos uma coisa do género de 'tens uns olhos horríveis' do que, por exemplo, 'és um bocadinho gordinha', embora esta última esteja repleta de diminutivos, e até possa ser dita de forma carinhosa, o que, de certo, não se aplica à primeira. assim que as ofensas não o serão na realidade das palavras mas naquilo que elas evocam em nós?

música#7

she wants revenge - sister



blondie - heart of glass

if you ever leave home...

don't look back.

Tuesday, January 16, 2007

o menino sem dói-dóis

a minha madrasta trincou a língua, ao almoço. despoletadas por este acontecimento banal, conversa vai e conversa vem, chegou-se ao menino que nasceu com insensibilidade congénita à dor com anidrose - duas coisas que me davam imenso jeito, quando vou contra as portas e contra as mesas (o que, infelizmente, está longe de ser raro) ou quando corro para apanhar o autocarro (que depois, ainda fica, sempre, uns 5 minutos parado). o joão maria tem uma das doenças mais raras do mundo, que, podendo parecer, embora, uma benesse, nada tem de bom. o joão salta de pernas estendidas, porque não vê necessidade de proteger as articulações dos joelhos, uma vez que não lhe doem. enquanto os outros meninos, mordem bonecos e outras coisas, nas suas primeiras tentativas de explorar o mundo exterior, o joão mordia a língua até ficar com o babete empapado em sangue. é um estado de alerta constante, aquele que os pais do joão se vêem obrigados a manter, porque o joão não sente qualquer tipo de dor física, por mais que fustigue o corpo. a sua enfermidade, que atinge uma proporção ridiculamente mínima de pessoas no mundo, é muito interessante, tanto científica como filosoficamente. se não for mantido sob um apertado cuidado, é bem possível que o joão se mate ou se fira gravemente. é este o papel da dor. dar-nos limites. a dor informa-nos sobre os limites do nosso corpo.
como seria ter insensibilidade à dor emocional?
poder passar pelas mais dolorosas e constrangedoras situações sem uma lágrima, sem uma pontada, sequer, no peito?
mais imediatamente, se perceberá que nos seria negada a possibilidade de crescer, de aprender e de nos tornarmos mais completos e complexos. mas, bem, isto já aristóteles dizia... foi só porque este assunto me desperta a curiosidade. mas eu tenho é que estudar. um bem-haja.

capicua

'(...) não há tal coisa como o indivíduo. nós somos apenas fragmentos de famílias flutuando, tentando viver a vida. toda a vida e toda a patologia são interpessoais.'
carl whitaker, representante da escola simbólico-experiencial de terapia familiar, dançando com a família.

Sunday, January 14, 2007

número 100

'sigue el dictado de tu temperamento. no se trata de una filosofía, (...). es más bien una regla,(...).'
j.m. coetzee, desgracia.

Friday, January 12, 2007

o homem invisível

em frente ao espelho, nada mais se vê do que as minhas lágrimas. brotando de fonte incerta, rolam pelo ar, nas saliências da minha cara, e desaparecem em breves instantes.
o que são os sentimentos para um homem invisível?
não uma invisibilidade de poder, não um dom: eu sou invisível de fraqueza. desde aquela varanda nocturna, tudo o que mais me animava se esfumou, perdido nas mesas dos bares, perdido nos copos vazios, perdido nas pedras do chão e no suor do trabalho.
perdido o que mais me animava.
a certa altura, entre uma esquina e outra, foi-se o meu corpo tornando mais e mais transparente. a princípio, pensei que fosse da minha vista. estava cansado do esforço de provar aos outros que valia alguma coisa. os sinais e os semáforos, via-os desfocados, como luzes numa discoteca surda. e começava já a ver a minha barriga através das minhas mãos. primeiro, foram os dedos.
como se o sangue fosse secando, perdi toda a cor. até que as roupas se seguravam no ar, como por magia.
agora, ando nu, numa terra que não é a minha. ironia das ironias, ando nu numa terra que não é a minha. ironia ainda maior, ninguém me vê.
tento não me esquecer, todas as manhãs, da minha humanidade. perdendo o corpo, a nossa condição humana torna-se frágil como uma folha seca. como uma mãe que tenta, todos os dias, não se esquecer da cara do filho que morreu, eu vou repetindo os sentimentos um a um, memorizando-os a cada manhã.

angústia. vergonha. ansiedade. nojo. dor. medo.
estranhamente, são os positivos os que mais tardam a vir.
prazer. carinho. vontade. liberdade. expectativa. alegria. amor.
como palavras de uma língua estranha, repito-as para não as esquecer. sabendo, no fundo, que já estão perdidas.

o que é o sentimento sem posse? o que é o sentimento, sem casa, sem roupa e sem cara?

há muito que o sentimento é apenas uma lembrança. E também ela se esfumará, um dia.

cinefilia, pt.2

apeteceu-me escolher o/as três melhores actores/actrizes principais e secundários nos filmes que passaram em 2006, em portugal. e quando me dão estas coisas, não dá para reprimir. sendo assim:

actriz em papel principal:


penélope cruz em volver (pedro almodóvar, 2006)
ellen page em hard candy (david slade, 2005)
yuanyuan gao em qing hong - sonhar com xangai (xiaoshuai wang, 2005)
felicity huffman em transamerica (duncan tucker, 2005)
charlize theron em north country (niki caro, 2005)

actor em papel principal:

yûya yagira em dare mo shiranai - ninguém sabe (hirokazu koreeda, 2004)
presley chweneyagae em tsotsi (gavin hood, 2005)
cillian murphy em breakfast on pluto (neil jordan, 2005)
jake gylenhaal em brokeback mountain (ang lee, 2005)
leonardo dicaprio em the departed (martin scorsese, 2006)

actriz em papel secundário:

frances mcdormand em north country (niki caro, 2005)
rinko kikushi em babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)
blanca portillo em volver (pedro almoodóvar, 2006)
scarlett johansson em match point (woody allen, 2005)
adriana barraza em babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)

actor em papel secundário:

brad pitt em babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)
jesse eisenberg em the squid and the whale (noah baumbach, 2005)
george clooney em syriana (stephen gaghan, 2005)
john hurt em shooting dogs (michael caton-jones, 2005)
matt dillon em crash (paul haggis, 2004)

venham mais em 2007! :)

Thursday, January 11, 2007

cinefilia

à imagem de outros blogs e eminentes bloguistas (prepúcio com queijo, por exemplo), decidi fazer uma lista dos meus 10 filmes preferidos que passaram, no ano transacto, pelas salas de cinema portuguesas. não é um ranking dos melhores de 2006, porque muitos deles não são, sequer, de 2006, mas dos filmes que mais gostei de ver (entre risos, lágrimas, consciência política, ambiental e social, arrepios e all stars):

1. hard candy (david slade, 2005)
2. babel (alejandro gonzález iñárritu, 2006)
3. syriana (stephen gaghan, 2005)
4. a history of violence (david cronenberg, 2005)
5. volver (pedro almodóvar, 2006)
6. brokeback mountain (ang lee, 2005)
7. north country (niki caro, 2005)
8. tsotsi (gavin hood, 2005)
9. apocalypto (mel gibson, 2006)
10. good night, and good luck (george clooney, 2005)
ainda: marie antoinette (sofia coppola, 2006), le temps qui reste (françois ozon, 2005), transamerica (duncan tucker, 2005), the departed (martin scorsese, 2006), the squid and the whale (noah baumbach, 2005), an inconvenient truth (davis guggenheim, 2006), hibernation (john williams, 2005), dare mo shiranai (hirakazu koreeda, 2004) e match point (woody allen, 2005). qué viva el cine!!

Saturday, January 06, 2007

número 96

com tantos milénios de espécie humana, tantas épocas e tantas eras, tantos séculos e tantas modas, com tantos milhões de indivíduos, tantas nacionalidades e tantas línguas, tantas religiões e tantos costumes, é milagrosamente inefável estarmos os dois, na mesma noite, na mesma sala, de olhares cruzados.

a torre

babel, de brueghel


os homens quiseram construir uma torre que chegasse aos céus. a afronta não é singular: prometeu roubou o fogo sagrado e viu o seu fígado ser comido, restabelecido e recomido, por uma águia gigante, até ao fim dos dias. estes homens quiseram construir a mais alta das torres da mesopotâmia. deus enfureceu-se. além de destruir a torre de babel, espalhou a confusão entre os homens, dando-lhes diferentes línguas, fazendo com que não conseguissem comunicar, e espalhou-os pelos diferentes cantos do planeta. perceber-se-á que, desde então, nunca mais os homens de diferentes línguas se conseguiram entender. o grande mistério está em que, mesmo os homens que falam a mesma língua, raramente o logram.
e tu, tens a tua babel intacta?

Thursday, January 04, 2007

quero é viver

'vou viver
até quando, eu não sei
que me importa o que serei?
quero é viver

amanhã
espero sempre um amanhã
e acredito que será
mais um prazer

a vida é sempre uma curiosidade
que me desperta com a idade
interessa-me o que está p'ra vir

a vida em mim é sempre uma certeza
que nasce da minha riqueza
do meu prazer em descobrir

encontrar, renovar, vou fugir ao repetir.'

antónio variações, o homem que a sabia toda.

hipnoterapia (ou como eu ainda acredito que os problemas se resolvem sem eu fazer por isso)

vou dormir e amanhã vou acordar, não com vontade de viver, mas a viver, efectivamente.

número 92

não, não vou dizer como acabei a noite da passagem de ano, todo nu e de ténis cor-de-laranja, numa rua nazarena. não vou, sequer, dizer como fui apanhado por uma onda a andei a rebolar pela areia, como se fosse um monte de trapos. essas vergonhas, guardo-as para mim e só as compartilhei com as três mil pessoas que decidiram passar o ano nessa bela localidade, onde até há um sítio. são, portanto, íntimas e pessoais.
um novo ano começa e apercebo-me da falta de significado que isso tem para mim. o tempo é uma construção humana e o dia 1 de janeiro de 2007 é, simplesmente, o dia a seguir ao 31 de dezembro de 2006, sem qualquer diferença maior do que a que este teve do dia 30 de dezembro do mesmo ano. não faço planos nem traço objectivos. também, porque sou uma desorganização dos pés à cabeça. porque me falta motivação para fazer outra coisa que não dormir, até estar a fazer, de facto, o que tenho de fazer ou o que as circunstâncias me levam a fazer. porque os meus quereres são fúteis e ocos. e não me consigo comprometer com nada, nem mesmo para comigo próprio.
apetece-me nascer de novo.