a mão e o peão.

Monday, November 12, 2007

viva o chapeuzinho!

ao olhar para a capa do jornal gratuito global de hoje, deparo-me com acordo ortográfico muda mais em portugal em letras grandes (logo por cima de um jogador qualquer do benfica). sendo um acérrimo defensor da língua portuguesa (tal como ela é), com ligeiros laivos obsessivos no que toca à correcção ortográfica, logo se me espetou a sobrancelha esquerda. eis senão quando, rapino o jornaleco a uma senhora que ia à minha frente no metro e, ao ler a malograda notícia, me deparo com as alterações que são supostas acontecer na nossa língua, já este ano! preparem-se para um verdadeiro choque ortodoxo. húmido passará a ser úmido, assim como mais palavras começadas pela letra muda, a perderão. acção passará a ser ação, acto passará a ser ato; óptimo passará a ser ótimo e percepção passará a ser perceção. lêem passará a ser leem, assim como vêem passará a ser veem. ao todo, 1.6% do vocabulário português (de portugal) sofrerá alterações! a minha modesta veia de tradicionalista já pulsava a mil nesta altura. bem sei que as línguas têm de evoluir mas não vejo em que é que úmido será mas evoluído que húmido. não percebo porquê esta mudança... com certeza, haverá uma explicação, os linguistas não farão as coisas assim, injustificadamente. mas eu não quero! gosto de muitos acentos, acho que dão classe a uma língua. vou continuar a escrever lêem, harmonia e acção! por agora, sou o velho do restelo linguístico. até mais ver.

olissipofilia

não há luz como em lisboa.
em mais nenhuma cidade, o pó se levanta, inócuo, suportando um fulgor discreto. é a luz que permanece, sobre o rio, sobre a ponte, sobre as colinas e as casas que rolam por elas abaixo.
só em lisboa, os transeuntes andam como andam em lisboa.
óculos da moda. sapatilhas da moda. em lisboa, até aqueles que se vestem mal são necessários, como em nenhuma outra cidade. transportam uma segurança construída em inevitabilidade, uma desarmonia aceite. cada um está porque é. lisboa presente e concreta.
só em lisboa, as lâmpadas acesas nas casas decrépitas e o glamour de fim de tarde, um copo de vinho e o rio.
não há amanhecer como o de lisboa.
quando os corpos mal arrancados às camas se espraiam pelas vielas, os autocarros afadigam-se nas suas andanças fixas e os lisboetas fumam cigarros rabugentos. o jardim do tabaco emerge da noite em palmeiras mal definidas, há azul-gaivota no ar, chegam barcos e comboios.
as pessoas demoram a começar a sorrir.
e depois.
o sol benevolente. a luz distraída que absorve lisboa.
os tambores que soam do outro lado da cidade, as crianças que invadem a estrela aos gritos de liberdade, os bocadinhos de pão a voar no príncipe real. pombos.
não se ama como em lisboa.
como nas ruas de lisboa, nas escadinhas atrás da sé, nas parisinas veias aveludadas de campo de ourique, no castiço bairrismo kitsch da nossa capital.
ama-se muito em lisboa.
ama-se, mais ainda, lisboa.
dela, cantam-se os poetas e os fadistas.
dela, cantam-se os pregões e os vestidos nas janelas.
as colinas, os cafés e o rio.
dela, canta-se a luz.
lisboa iluminada, regada e amada.

Sunday, November 11, 2007

"sicko"

michael moore volta a atacar. tudo pelo bem do seu amado país, dos bons, afáveis e sempre-dispostos-a-ajudar-os-vizinhos americanos. desta vez, quem cai sobre o peso das suas acusações desarmantes é (a inexistência de) serviço nacional de saúde nos estados unidos da américa. apesar das comparações dicotómicas e do polimento das informações apresentadas para tornar o que se vê mais chocante, as mortes que se ouvem e as histórias que se contam são verdadeiras, e verdadeiramente chocantes. há, ainda, que ter em conta que este é um filme para os americanos; moore dirige-se, aliás, frequentemente a eles. daí, não admira que seja tão preto-no-branco, tão privado vs. público, tão sensacionalista, por vezes. se mais de metade dos americanos não consegue encontrar a austrália no mapa do mundo, uma pessoa tem de esforçar-se por fazer passar a mensagem. pense como um americano e sairá da sala de cinema transido. talvez até (como uma amiga me disse) exclame um wow! it so makes sense! como oprah winfrey, ao dar-se conta desse grande golpe de génio que é um serviço nacional de saúde.

Wednesday, November 07, 2007

rufus

21 horas e 15 minutos, coliseu de lisboa.
rufus wainwright começa o seu terceiro concerto naquela sala exactamente à hora a que estava marcado. acompanhado por 7 músicos (entre vários instrumentos de sopro, bateria, baixo e guitarra) e por um piano preto polvilhado de estrelas prateadas. ao fundo, uma bandeira dos estados unidos, com as riscas pretas e as estrelas substituídas por jóias de imensas formas, brilhantes.
a voz de rufus é incrivelmente segura, incrivelmente abrangente, incrivelmente melhor do que nas gravações, incrivelmente bonita. o desenho de luz foi pensado ao pormenor. quando rufus põe as mãos no piano e a boca no microfone respira-se fundo e é impossível despregar os olhos.
entretanto, já ele está vestido à tirolês, cantando canções da judy garland (espera-se novo álbum pelo natal) e aparece, depois, de robe branco. para, logo a seguir, se travestir e cantar, coadjuvado por um corpo de bailarinos trapalhões (nada mais, nada menos que os músicos), uma música de cabaret hilariante.
gay messiah, poses, the art teacher e uma música com título gaélico (que ele cantou a capella) foram dos momentos altos da noite.
o coliseu estremeceu (oh my god! is that another lisbon earthquake?... i'm sorry, i don't know if that was tasteless disse ele) sob o carisma cativante de um dos melhores cantautores vivos.
oh my god... i'm such a little princess! i'm just missing the throne! that means i'm available... just in case! candidatos?

Monday, November 05, 2007

mondego

numa tenda improvisada, atada em lençol aos quatro cantos do teu quarto.
no gira-discos, chuva a cantar, enquanto, lá fora, barramos o sol no verde das portadas da tua janela. uma pequena lua enrugada na tua mesa-de-cabeceira é toda a luz necessária.

preguiçosos, os nossos corpos num mar branco de linho.

uma tarde inteira neste ócio bom, num lânguido langor de sorrisos e olhos fechados.

nós os três.

sem nada saber, tranquilo o mondego rola. trar-nos-á, depois, o amarelo a pôr-se sobre coimbra e o magenta das buganvílias dois terraços abaixo.