post mortem
recolhe os bilhetes de combóio e autocarro que trago das minhas viagens.
fecha as gavetas,
não quero que a disponibilidade das coisas camufle a sua preciosidade.
recolhe os quadros e os cartazes das minhas peças.
recolhe as fotos nas molduras, nos envelopes, nas caixinhas.
recolhe todos os objectos que toquei em vida,
que guardam as minhas impressões e escamações da pele,
que assinam a minha memória neste mundo,
que permanecerão.
recolhe as ideias que pereceram na necrose global que operou em mim.
recolhe os cheiros das peles que conheci.
recolhe as lágrimas que não deitei mas que senti.
os sorrisos públicos, os sorrisos privados, aqueles que nem eu vi.
leva tudo e guarda contigo.
não deixes que alguma vez se apaguem os meus trilhos vincados.
6 Comments:
...não vivo do passado, mas não o esqueço nunca!
:)
Abraço!
Este «eu» ficcional é a transposição da vontade do eu que pensou estas palavras, não forçosamente o seu autor, isto é, quem assina o post...
Fascinante jogo de espelhos, algo intimidante para o meu gosto...
Abraço!
:-)
hugo> e não te assusta pensar que esse passado (que, um dia, quando morreres, será toda a tua vida - toda a tua vida será passado) será esquecido, como se nunca tivesse existido?
ric> acho que o «eu» ficcional é mesmo a transposição da vontade do autor (por mais egomaníaca que seja), pelo menos na altura da escrita. é verdade que me assusta pensar que um dia, a minha memória neste mundo (assim como a de tantas pessoas boas que conheci) será inexistente. but, that's the way it is! :) abraço
... Pois é... Bem me parecia... O sempiterno desejo humano de se libertar da lei da morte...
Muito boa abordagem!
:-)
É assim: Está simplesmente algo que adoro!! Este texto enquadra-se perfeitamente num sítio que ambos sabemos qual é! Às vezes quando leio o que escreves pergunto-me se realmente te conheço como julgo conhecer... E se eu adoro o que conheço!
Post a Comment
<< Home