eis que surge a crónica (necessariamente, pessoal) da festa do oitavo aniversário do lux, terça-feira, 10 de outubro de 2006.
tudo começa com um convite da ju, na terça à tarde, dificultado por inúmeros factores: a saída em si (a meio da semana, quando a relação com o meu pai não anda, propriamente, estável ou amigável), el hecho do disfarce (where da hell vou eu encontrar, à última da hora, roupa para ir mascarado à personagem almodovariana ou felliniana?), o convite ser dirigido a um artista plástico português, relativamente conhecido, e ser intransmissível. como deveis calcular, todos estes obstáculos foram superados, com a graça que nos caracteriza! but first things first...
lá nos encontrámos no largo de camões: eu, a ju, a pimpista (que já não via há imenso tempo e que continua igual) e o namorado dela, o diogo. a ju trazia um malão vermelho, cheio de roupas, acessórios e pinturas para a transformação referida. fomos encontrar a reta e o namorado, o rodrigo, num restaurante ali perto e fomos todos para a a escola de dança onde trabalha a reta, para procedermos ao acto do disfarce. naturalmente, já os rapazes estavam vestidos e mais que prontos, ainda andavam elas com blush pá frente e verniz pa trás, põe chapéu, tira boina, experimenta sapatos, florzinhas na cabeça, peinetas, postiços, etcétera. quando saímos, o cenário era o seguinte: eu, o diogo e o rodrigo mascarados de máfia italiana, anos 50; a ju, de lola, no volver; a pimpista, com um vestido branco à marilyn, podia também passar por sophia loren e a reta, de fato, boina e colar de pérolas, à anos 20. todos comme il faut. eu fui de carro com a ju e eles de táxi e encontrámo-nos à porta do lux. à porta, é como quem diz, porque a fila percorria toda a rua dos armazéns e chegava à passadeira que dá para a estação de santa apolónia! aí nos metemos. foram duas horas e meia até entrarmos (isto, porque não quisemos entrar de surra, infiltrando-nos no amontoado de gente que se aglomerava à entrada – chamem-nos cívicos – obviamente, outras pessoas houve que não se importaram tanto: com certeza, estariam aflitas para ir à casa-de-banho e, só por isso, desrespeitaram a ordem de chegada). pelo caminho, muita coisa aconteceu (e, no final, já não éramos os mesmos entusiastas, cheios de pica, que se juntaram à fila – embora o bar aberto prometesse remediar isso). arribou-nos aos ouvidos que, à entrada, teríamos de matraquear cinco filmes do almodóvar e cinco filmes do fellini ao senhor porteiro. pois que duas miúdas, atrás de nós, ouviram e pediram-nos ajuda para a referida tarefa. o diogo começou por dizer-lhes os cinco do almodóvar e, quando diz «fala com ela», uma das moças replica: ah, eu já ouvi falar disso, «fala com ela», mas não sabia que era dele. o caro leitor poderá imaginar a onda de choque que perpassou pelo nosso grupo, não traduzida, contudo, em assassínio impiedoso (por um triz, dever-se-á acrescentar).
havia certas personagens, comummente designadas por travestis, que se passeajavam fila acima e fila abaixo, agarrando-se aos moços incautos a proferindo graçolas de mau gosto (do género: aaaaaiii filho, não me atropeles – matar uma bicha dá 10 anos de azar!). já estava tudo um bocado farto das intervenções delas (ou então, era mesmo só eu, a quem estas cenas irritam ligeiramente). até que veio uma meter-se connosco e começámos a queixar-nos da má organização da festa, que, tendo emitido milhares de convites, não abria mais que uma porta de entrada, deixando os convidados na fila tanto tempo. pois que ela também tinha as suas reclamações a fazer e ali ficámos, a destilar amarguras. não, de facto, a senhora foi simpática e a má-disposição passou-me logo. um pormenor: sabendo eu que aquela mulher era, na verdade, um homem e que todos os homens, não eunucos, possuem um certo volume na região pélvica, fiquei deveras surpreendido com a ausência do referido na referida pessoa. ainda pensei perguntar-lhe: olhe, desculpe lá, mas onde é que está a sua pila? mas, depois, reconsiderei.
entretanto, iam passando celebridades por nós (todas ocupadas em passar à frente da plebe e entrar na festa): era a lili caneças, era a rita blanco e o fernando luís, era o nuno lopes.
enfim, entrámos. infiltradíssimos, mas entrámos. não nos pediram filmes, não nos perguntaram que personagens éramos (eu, que já não sabia se estava mais almodovariano ou felliniano, inventara um pintor espanhol, chamado javier, n’«a lei do desejo» - seguramente, o porteiro não conheceria todos os filmes do almodóvar, porra!). o senhor, simplesmente, olhou para mim e para a ju, disse: que bela espanhola e depois o nome no convite: dora (que é a esposa do supracitado artista). entrámos, enfim. um ambiente fantástico, projecções na parede de excertos dos filmes, sofás e otomanas por todo o espaço (um apêndice que juntaram à discoteca), pessoas, todas mascaradas, todas com ar e andar de quem se estava a divertir imenso. a noite tinha começado.
primeira paragem: bar. havia que afogar as más ondas que, inexplicavelmente, percorrem uma pessoa depois de duas horas e meia em pé, numa fila. confesso que, a partir daqui, a minha memória não será absolutamente fidedigna. lembro-me de estar dentro de uma jaula, a encenar uma cena de dança meio sado-maso e encontrar a sílvia, de barcelona. lembro-me de ficar histérico. lembro-me de me roçar pelas paredes com a ju, de me roçar nela e de fazermos trinta por uma linha (até, imagine-se, passos de danças de salão). lembro-me de vir um miúdo falar connosco, dizer-nos que estávamos fantásticos e perguntar se éramos namorados. lembro-me de bebermos shots de vodka com redbull, oferecidos pelo hugo, um amigo da ju que trabalha no lux, com uns trajes ridículos que em nada fariam prever a sua heterossexualidade. de a ju ter perdido as peinetas e de termos visto o pedro granger a dançar sozinho. de tirar o meu chapéu de feltro vermelho, à ilusionista. de fazer xixi naquelas casas-de-banho descartáveis e falar aos gritos com ela, que se encontrava umas quantas casas-de-banho ao lado. de dançar entre a pimpista e a ju, de fazer as macacadas mais teatrais. de encontrarmos a tatiana e a filipa e de as perdermos de vista. lembro-me de sentir que éramos os reis da festa, eu e a ju, a fazer parvoíces, a dar espectáculo, aproximando-nos, perigosamente, da embriaguez completa. lembro-me de vomitar.
agora, o que eu não me lembro. não me lembro de sair do lux, de a ju me ligar, ir ter comigo até ao carro, abrir-mo e eu deitar-me. não me lembro, mas também não me parece que tenha perdido memórias muito interessantes.
acordámos à uma da tarde, dentro do carro, abafados, estacionados em frente ao lux. acordo com o sol a bater-me na cara e um enjoo indescritível. desperto a ju, ela abre a porta e vomita no chão. a custo (depois de uma boa meia hora), mudo de roupa, ela liga o carro e partimos.
para o ano, seja como dora, seja como for, estaremos lá. tenho dito.
p.s.: espero completar esta crónica do rise and fall, com uma foto ou duas. keep in touch!