o tecto (reminiscências)
não fosse a ténue luz, vinda do candeeiro mesmo à janela do quarto, mal se via. seria do candeeiro ou da lua? a luz? nem uma racha, uma pequena infiltração, uma mancha de champanhe ou humidade, um ponto mais escuro. acordamos no dia seguinte e perguntamo-nos como conseguimos adormecer. da nossa última e eficaz ratoeira ao cérebro que não quer descansar. os sonhos eróticos, as poluções. sem saber o que dizer às mães quanto àquela nódoa. mas os sonhos são legítimos. a síndrome do desejo impossível. só à noite. as proporções desejadas, o realismo tão lascivamente querido. uma ideia que seria, virtualmente, melhor que a própria experiência, isenta de erros, de defeitos, de disfunções. e, de manhã, que rejubilo e que fome. satisfaz-se o carente, de ilusões e de sonhos. não se contentavam com migalhas os tolos. de utopias, e de miragens e de sonhos vivem os tolos, como eu. carpe diem. merda porque são felizes. merda para os que vêem tudo negro. merda para todos, merda para mim. o tecto. vulgar e branco, antes de adormecer. o baloiço esperava por ela, como se a chamasse, numa linguagem que só ela compreendia. um nevoeiro, cada vez mais cerrado, impunha-se entre ela e o baloiço. o nevoeiro havia encoberto todo o seu corpo, como um manto levemente identificado e asfixiante. a querer tomar-lhe controlo. dissipava-se, levando-a com ele. desvanecendo sobre o jardim de betão e aço. acordou espavorida. lembrar do sonho que tivera. um baloiço antigo, pintado à mão, com cores garridas. chiava, que tinha já um pouco de ferrugem. como lhe tinha sido difícil adormecer. e de novo olhou o tecto. talvez porque a aspiração dos homens não seja subir, talvez porque não precisa que lhe varram o pó.
1 Comments:
Oh meu Deus..este texto... :) :) :)
:) :) :)
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