a mão e o peão.

Monday, November 27, 2006

número 85

como o guião para metodologias clínicas comportamentais e cognitivas, também eu quero ser devolvido à precedência e voltar com a palavra 'reformulado' escrita na testa. can it be?

música#5

the kills - the good ones



peaches - lovertits

Sunday, November 26, 2006

avó

a minha avó, com os óculos inclinados. a minha avó que diz 'o teu pai' quando se refere ao meu avô. que, quando a corrijo, pergunta 'o que é que ele é a ti?'. que se esquece dos nomes de todas as pessoas e me chama sempre vítor. que se desfaz em sorrisos envergonhados, tristes e humilhados quando entende a amplitude da sua falta de memória. que me pergunta se já estou a trabalhar e, quando respondo que ainda estou a estudar, diz 'ah, já não estás a estudar...'. que já fez um electroencefalograma, com 'coisas a bater na cabeça - com força! - e a doutora a pedir para fechar os olhos e cerrar os dentes'. a minha avó que já passou tanto na vida, incluindo ver uma filha morrer aos poucos, que deve ser das maiores dores que um ser humano pode suportar. a minha avó a mostrar-me como o corpo tende para um fim. como é triste a lucidez na decadência cognitiva. a minha avó que chora quando me diz que gosta de mim e que abre um sorriso tão grande, cada vez que me vê. a minha avó que me ama acima de todas as coisas, que sempre me preferiu aos outros netos. a minha avó a pedir um abraço e um beijo e eu tão incapaz de lhe mostrar o quanto a amo. eu que fujo e sou bruto e impaciente. a minha avó a ficar tão velha e eu já cheio de saudades dela.

Saturday, November 25, 2006

o tal arquivo

- oops...
- era só o que me faltava! mais uma, não?
- eu não me chamo maisumanão, não me pode tirar o nome: eu sou a alice!


21 horas do dia 23 de novembro de 2006: ante-estreia/ensaio assistido de "barthes&mandrake", já, anteriormente, publicitado neste espaço virtual em que me exponho e justifico (ou nem tanto). foi um sucessoooooooooooo! :) as pessoas amaram! :) obrigado a todos os que responderam ao meu apelo e, antevendo um tédio de morte, acederam ao meu pedido! o meu gesto voltará à cena dia 5 de dezembro (mal posso esperar).
p.s.: as minhas pernas e os meus lábios tremiam para lá da compreensão humana! oxalá, ninguém tenha reparado.

Friday, November 24, 2006

no meu núcleo

depois de uma aula de métodos sistémicos de intervenção, a minha cabeça acelera, as minhas concepções sobre o mundo, as relações humanas e a psicoterapia revoluteiam, como uma nascente de lava havaiana a borbulhar.
o eclectismo puro assusta-me. provavelmente, é porque sou um mero iniciado à arte da terapia, e um modelo forte e seguro (que cubra situações específicas, sem dúvida: a universalidade é-me total, e intrinsecamente, inapelativa), no qual apoiar as minhas assumpções, puxa-me mais a atenção. acredito (como diz o professor luís miguel neto - prova - para mim - de que as primeiras impressões e os mitos académicos não são de tomar em conta) que para progredir, para nos expandirmos na compreensão do ser humano e das suas problemáticas, é necessário, primeiro, cerrarmo-nos numa orientação teórica, compreendermo-la totalmente, aplicarmo-la, para que depois possamos estender os óculos com que olhamos para a realidade, expandir os significados, atentar noutros aspectos.
no entanto, surgiu-me, durante a aula, uma questão que me perturbou (tanto que nem a consegui formular à turma - no ambiente mais informal, amigável e, até, amoroso em que já estive, academicamente falando): é possível, um eclectismo puro? uma integração equitativa de várias correntes psicoterapêuticas? at the end, estamos a falar do mesmo objecto do conhecimento, o ser humano: tenho para mim, que as diferentes concepções mais não são do que construtos de uma realidade específica de nós, que se interliga, ou cruza, ou radica, ou causa, outras realidades, patentes noutros construtos, de outras orientações. ou seja, que, no fim, todas estão correctas na sua especificidade e todas estão erradas na sua assumpção de globalidade e universalidade. o que é corroborado pela investigação científica em torno da psicoterapia, e dos seus resultados, que mostra que o que é relevante na situação terapêutica é a formação de uma aliança cooperativa entre psicólogo e cliente, mais do que a orientação teórica deste.
eu sei que conseguia encontrar pontos de interesse e de identificação em todas as orientações teóricas. conheço-me o suficiente para saber que, estivesse eu noutra variante, defendê-la-ia e identificar-me-ia com ela, assim como defendo e me identifico (com) a variante em que estou.
mas será que, engrenando numa orientação, será possível, depois, descentrarmo-nos a tal ponto em que podemos considerar-nos integrativos? não terá de haver sempre uma concepção forte, uma base à qual se vão acrescentando ideias, conceitos, construtos? houve quem defendesse que o respeito pelas ideias dos outros (todos somos humanos, logo, as ideias de todos nós, terão de ser validadas pelos outros) obrigava a que não houvesse uma teorização preferida: indicando, portanto, uma noção de superioridade de uma ideia às outras. discordo. mais uma vez, creio que isso é universalizar o que não é universável. sim, somos seres humanos, sim, devemos ter os mesmos direitos, não, não somos iguais. numa determinada pessoa, num determinado problema, num determinado sistema, para uma determinada solução, haverá concepções melhores, mais adequadas e mais frutíferas. preferi-las, não rejeitando radicalmente as outras, mas integrando-as nesse tronco, parece-me aceitável e benfazejo.
anyway, foi só uma coisa de que me lembrei.
outro dos assuntos em debate foi o preconceito. o preconceito em psicoterapia. qual é o lugar do preconceito? poderá ser eticamente permitido ao psicólogo ter preconceitos? não devíamos ser perfeitos e tolerantes, sempre com palavras apaziguadoras? o que é o preconceito?
etimologicamente, a palavra aglutina duas ideias: pré e conceito. aparece pela primeira vez escrita em português, no início do século XIX. a sua correspondente em castelhano, a nossa língua irmã, é prejuício, que se encontra relacionada com a palavra prejudicial. poderíamos, pois, antever, que preconceito não é um termo positivo, ou, por outras palavras, que a acção que representa, poderia ter um efeito negativo. de facto, preconceito e prejuício indicam uma ideia, ou uma atitude, prévias a um conceito ou a um juízo, ou seja, prévias a uma análise cuidada e articulada de algo. poder-se-á, portanto, aplicar a uma atitude ou disposição baseada num estereótipo, mormente negativa, em relação a um grupo humano. tratando-se de uma generalização abusiva, tenderia a gerar comportamentos de discriminação, pela atribuição de supostas características globais de um grupo aos seus membros individuais. obviamente, este fenómeno cumpre um objectivo na nossa cognição: entender-se-á que é mais económico e confortável possuirmos um pré-conceito que nos permita categorizar um indivíduo a partir da sua pertença a determinado grupo assim que o saibamos, por oposição a uma categorização individual e partindo da completa ignorância para cada ser humano com que nos deparamos diariamente. isto porque, como se sabe, gostamos, necessitamos, de dar nomes aos bois - de categorizar, nomear, "compreender" - mesmo que seja uma categorização, nomeação ou compreensão desadequadas e incorrectas - é mais confortável do que a não-categorização. na impossibilidade, ou dificuldade, cognitiva de uma juízo apurado e meticuloso de cada pessoa, contentamo-nos com estes preconceitos. e isto é humano e humanamente inerente.
agora, conhecendo os mecanismos deste fenómeno, não terá o psicólogo a responsabilidade ética de fintá-los e livrar-se dele? impossível. o psicólogo é um ser humano e, como tal, é-lhe impossível não ter preconceitos - sobre as mais varíadissimas e pequeníssimas coisas. os preconceitos têm de ser acknowledged (é vergonhoso, mas não me lembro do termo correspondente em português - é o (possível) resultado de toda a nossa bibliografia ser em inglês) pelo psicólogo e, como postulou gianfranco cecchin (um terapeuta familiar italiano, da escola de milão), pelo cliente: os preconceitos de ambos (obviamente, aqueles que concernem à situação terapêutica) deverão ser discutidos, as suas possíveis consequências e formas de as evitar, encontradas. só na aceitação e no debate franco destas temáticas, o seu potencial daninho se poderá minimizar.

top 10 reasons gay marriages should be illegal

numa visita ao sempre interessante e informativo (além de extremamente bem escrito e desencantadamente cómico) devaneios desintéricos.com, deparei-me com um link para as dez razões principais para manter ilegal o casamento entre pessoas do mesmo sexo. julgando ir encontrar fortes argumentos, fiquei curioso e, na esperança de encontrar um que estimulasse a minha capacidade de refutação e contra-argumentação, fui cuscar. ao invés, é absolutamente hilariante, ironicamente americano: on the spot!
p.s.: a minha preferida é a sexta, quase me convenceu! enjoy...

música#4

rufus wainwright - the one you love

Thursday, November 23, 2006

marie antoinette


os all star descaradamente no meio de sapatos de época.
os cenários bucólicos, aquela ovelhinha de focinho preto, simplesmente celeste.
a pequena marie-thérèse, um anjinho que fala francês: regardez la petite abeille!
o dentinho de kirsten dunst, que continua tão sexy e colegial como sempre (desde a famosa entrevista).
as músicas de filme sobre a adolescência, num filme que é mesmo isso, e onde o ruge-ruge das saias a arrastarem-se pelos palácios de versailles acompanha, com surpreendente excitação, o vibrar das guitarras.
o sol a brilhar nos cabelos de marie antoinette, sentada num puff de saias, à deriva num mar de malmequeres.
o coche que se afasta, o adeus aos limoeiros.
sumptuoso e deliciante.

Tuesday, November 21, 2006

tiago says...

porque é que quando olho para ti, parece que já conheço todas as dobras da tua pele, todas as rugas de expressão da tua cara, o jeito do teu nariz, as curvas do teu corpo, o sorriso que fazes a pessoas que acabaste de conhecer, o riso incontrolável de quando achas piada de mais a alguma coisa? parece que estou a ver as tuas unhas, o jeito com que arrancas as peles dos dedos, com que pintas as unhas e as deixas a secar na mão pendurada, como ajeitas o piercing da orelha, como ajeitas as saias, como penteias o cabelo, como alisas a franja, como me beijas, como abres os olhos quando tentas explicar uma coisa que para ti é mais do que óbvia, a interjeição que fazes quando tens de explicar as coisas mais do que uma vez, o tom que usas quando alguém de quem gostas muito não percebe uma coisa, como és carinhosa quando acordas nesses dias e como és bruta quando acordas noutros,


como choras, como abanas os pés, lado a lado, à dançarina de can-can, como escondes o riso com a mão, como te olhas nos espelhos de uma loja de roupa, como danças no lux, como seguras a cerveja quando andamos perdidos no bairro alto, como fumas e como seguras o cigarro, como falas tão bem inglês e francês, como imitas sotaques, como falas nas aulas com um tom sabedor e até ligeira (mas encantadoramente) arrogante, como olhas para mim... às vezes não sei o que pensas. se olhas para mim como quem olha para um espelho, ou para um irmão, ou para um amante, ou para um tolo, ou para uma obra de arte, ou para um desconhecido. contigo sinto coisas, até que amor se faz de distância, de raiva, de medo, de desilusão. a força do amor é essa: sobrevive.

mary

se eu tivesse que escolher entre a minha felicidade e a tua, estou quase certo de que escolheria a tua. para o que quer que isso sirva, aqui o tens. depois de todas (quantas?) as vergastadas que já apanhaste, de todos os tombos que já deste, mesmo quando planavas, confiante (derreteram-te as asas, minha querida) - só me apetece dizer MERDA! que se FODA isto tudo! mas que se passa? anda tudo louco? que ordem é esta?
depois da tempestade... ela virá, meu anjo. a bonança sorrindo-te.
mary.

manifiesto a incumplir

estoy harto de escribir sobre lágrimas que no eché, de tristezas y lloros que no han deshecho mí pecho. estoy harto de imaginar dolores que no tuve, de buscar las palabras y solo encontrar estas, las de desamor y desilusión. quiero traer siempre conmigo un diccionario de términos felices. nada más de jeques-mates, fotografías o lo que sea. un día siguiendo el otro, coger flores, jugar con los niños, dedicarme a lo que me guste. es mía, mí vida. soy yo quien decide.

Monday, November 20, 2006

música#3

kings of convenience - i'd rather dance with you

barthes&mandrake

dias 23 de novembro, 5, 6 e 7 de dezembro, às 21 horas, no (discreto) auditório da cantina I da universidade de lisboa, "barthes&mandrake", pelo grupo de teatro ultimacto, da faculdade de psicologia e de ciências da educação, encenado por rosa coutinho cabral e joão cabral. a história segue os acontecimentos despoletados pela entrada de um ilusionista de bd (mandrake) no arquivo de figuras amorosas do senhor barthes, arquivo onde repousam as mais ilustres personagens do discurso amoroso, como sócrates, werther ou a dama das camélias. cego pela ambição, mandrake tenta usurpar o controlo deste arquivo à sua apaixonada e meticulosa encarregada, sem se aperceber que caminha para outro fim, surpreendente.
como deveis calcular, eu faço parte do grupo de actores que encarna todas estas personagens: eu, precisamente, debaixo da cartola e da capa de mandrake. a não perder (por favor!)! eheheh...


número 72

os dados foram lançados na mesa. o último ainda rodopia, entre o seis e o dois, as pintas às voltas, como pontos finais numa corrida louca, o vencedor a fechar a frase. passei-te as cartas, para que as baralhasses, todos os naipes nas tuas mãos, imiscuem-se uns nos outros, confundem-se e desaparecem à vez, sob as tuas mãos peritas. os olhos, esses, mantém-los em mim, nos meus, fixos, amedrontados. o jogo está do teu lado, o meu rei branco, periclitante na palma da tua mão, a lâmina pronta-a-descer, a cabeça pronta-a-saltar. como se fosse, eu também, um peão nesse tabuleiro, uma dama vulnerável, uma torre robusta, ou a ampulheta que dita o fim do dito (o fio de areia a escorrer em mim, eu a esboroar-me, a corroer-me, a desabar, feito em nada). como um deus louco, necessariamente, sábio, escarneces de mim, lá do alto, ou talvez nem o faças, e o saber que o pensas é ainda mais doloroso. o teu sorriso esgota-se em fiapos de gozo e eu sou patético nos momentos em que me amas. nos momentos em que recordo esses instantes, em que me dei, como sempre me dou: aberto, receptivo e confiante, crente e ingénuo. o meu castelo de cartas tombou tão convictamente que, possível fosse, ter-se-ia fundido no chão, plasmando-se na superfície, descendo ao submundo, levando o meu ego com ele. o meu ego nesses jogos, apostado e perdido. num jogo de azar, não foi azar o que tive. a rejeição comeu-me, e continua a comer-me (um grama a cada segundo). xeque-mate.

música#2

antony and the johnsons ft. boy george - you are my sister

Sunday, November 19, 2006

pessoas que amo à primeira vista

- aquelas que tropeçam e não sabem se hão-de ficar envergonhadas ou rir-se a bandeiras despregadas;
- aquelas que cumprimentam as outras ao entrar no elevador;
- aquelas que nos seguram a porta com um sorriso nos lábios e um olhar franco;
- aquelas que dizem obrigada/o e desculpe, quando a situação o pede;
- aquelas que riem tanto, que têm de agarrar-se à barriga ou encostar-se à parede;
- aquelas que, quando sentadas nos bancos reservados, enfiam a cara nos livros ou fingem dormir, mas acabam por ceder o lugar quando entra algum velhinho;
- aquelas que têm vergonha, coram, têm vergonha de corar, coram ainda mais e têm vergonha de ter vergonha de corar;
- aquelas que reclamam, educadamente, quando alguém lhes passa à frente numa fila.

Saturday, November 18, 2006

xenofilia

we are all foreigners, almost everywhere!

magyar momentum, vol.2

budapeste, hungria, 11 e 12 de novembro de 2006









magyar momentum, vol.1

budapeste, hungria, 11 e 12 de novembro de 2006









where do you stand?

duas cadeiras. uma encostada à parede esquerda da sala e outra à direita. na da esquerda, um papel que tinha escrito i agree, na da direita, outro a dizer i disagree. entre as cadeiras um continuum, no qual nos poderíamos situar, consoante concordássemos mesmo muito ou discordássemos levemente, por exemplo. não havia meio-termo, ou seja, era impossível situarmo-nos no meio, não exprimir opinião, não nos decidirmos por um dos lados. o szabolcs leu, uma a uma as frases, que exprimiam ideias: conforme ao grau de concordância relativamente a essas ideias, assim nos poríamos entre uma cadeira e outra. para provocar o debate, aqui estão as frases (em inglês, para que a minha tradução não deturpasse o seu sentido):
- it's more important to have a roof over our heads than to be able to say what we like.
- people have a duty to work, not a right.
- the most basic responsability of any government is to make sure all citizens have enough to eat.
- immigrants and minorities have to give up some costums of theirs if they want to be accepted by the majority.
elas eram mais, mas estas deram já tanto que discutir, que não houve tempo para as outras.
então, where do you stand? left chair or right chair?

Wednesday, November 15, 2006

desculpe, este comboio vai para? (03.11.06)

chegámos ao aeroporto de budapeste uns vinte minutos antes das três da tarde, hora local. o piloto havia dito que faziam 2 graus na capital húngara, o que nos abriu logo o apetite! saímos para a rua e o frio confirmou-se. cachecóis, gorros e luvas em riste, depois de comprado o bilhete de autocarro, pusemo-nos a caminho da estação de köbania-kispest. a viagem demorou uns curtos vinte minutos, não tão curtos, contudo, quanto o preço do bilhete (185 forint, o que equivale, arredondamente, a 70 cêntimos de euro) faria supor. chegados à estação referida, foi tempo de exercitar a nossa linguagem corporal, a capacidade de vocalizar internacionalmente e de improvisar línguas absolutamente desconhecidas. apresentámos o papelinho em húngaro, que nos tinha sido gentilmente cedido pelo szabolcs e lá conseguimos obter os bilhetes de comboio para kiskunfélegyháza, onde iria ser o training course. encontrar-nos-íamos com o cláudio e a patrícia dentro do comboio, uma vez que eles o apanhariam em nyugati, a principal estação ferroviária de budapeste e que de onde o comboio partiria. quando faltava um quarto de hora para a hora marcada, fomos andando para a linha correspondente, perguntámos a uma moça se era ali que passava o comboio para kiskunfélegyháza, ela disse que sim (falava inglês!) e esperámos. passados uns minutos, surgiu uma locomotiva verdadeiramente grotesca. antiquíssima, em mau estado, parecia saída de um filme dos anos 40. lá entrámos, embora ainda não fosse a hora do comboio (pensámos que ele esperaria na estação pela hora correcta e, só depois, arrancaria) e começámos a tentar perguntar aos rapazes que estavam ao pé da porta se ia para onde queríamos que fosse. eles só nos conseguiram dizer que não (pânico) quando as portas fecharam e aquilo começou a andar... tentando não entrar em histeria incontrolável, eu e a anita lá compreendemos o esbracejar dos moços e, posteriormente, do revisor, que também não falava/compreendia uma palavra de inglês, e decidimos sair na próxima estação, para esperar o comboio correcto, que viria atrás de nós. por esta altura, já o leitor atento terá percebido que também este plano saiu furado e só me resta contar a série de desventuras que se seguiram, já noite cerrada, graus negativos e a hungria profunda. pois, saímos mesmo na próxima estação, de seu nome monor. com os pés já a doer de tão gelados, esperámos que viesse o próximo comboio. chegou um, mas não ia para kiskunfélegyháza. os outros dois passaram sem parar. outro veio que parou, tão-pouco seguia o nosso destino. começávamos a desesperar. trocávamos mensagens com a patrícia, que nos dizia que havia perguntado a alguém no comboio (sim, o correcto) se passariam por monor. disseram-lhe que sim, dentro de vinte minutos. achámos estranho, não nos parecera que demorara tanto a chegar ali, mas ficámos mais aliviados. até que, passados uns minutos, nos mandou outra mensagem a rectificar: já tinham passado por monor há vinte minutos. olhámos um para o outro com o olhar de mais puro desespero. decidimos ir à bilheteira da erma estação (o que ainda não tínhamos feito com medo que o comboio passasse), pedir informações. obviamente, a querida senhora não falava inglês, mas lá rabiscou num papelucho como ir para a tal cidade. teríamos de apanhar o comboio que passava ali, e parava em kecskemét, às 18:33. quando olhámos para o relógio, eram 18:30. desatámos a correr, com as malas aos saltos, e saímos na linha mesmo a tempo de apanhar o comboio. instalámo-nos e procurámos por alguém com cara de saber falar inglês. acertámos na mouche e quando perguntei ao simpático casal se nos poderia informar quando chegássemos à estação de kecskemét, eles respondem-me: ah, este comboio não vai para kecskemét! quase chorei, ali, à frente de uma molhada de húngaros, todos loiros. bem, o simpático senhor lá ligou para alguma estação, não sei qual, e depois fizeram um roteiro (sim, porque com tanta viagem, quase parecia um roteiro turístico pela ferrovia húngara): sair em cégled, apanhar outro para kecskemét; sair em kecskemét, apanhar outro para kiskunfélegyháza. assim, fizemos. no último, pedi a um senhor que me indicasse quando estivéssemos a chegar, pois para além da janela, só o breu se via, mesmo quando parados nas estações. ele perguntou-me parlez-vous français?, ao que eu respondi um tímido un petit peu e ele, num francês engraçadíssimo, disse quan nous arrivons, je parle pour que vous descendons de le train (ou qualquer coisa assim). chegados ao destino final, mais uma partida o destino nos pregou - tivemos que ir a pé, desde a estação até ao restaurante onde já estavam todos os participantes do seminário a jantar, ao frio, com as malas a resvalar, sonora e dolorosamente atrás de nós, pelo chão, nos meio das folhas caídas.
depois deste mau começo (que, visto doutro prisma, foi apenas uma aventura), o projecto revelou-se maravilhoso, criativo, surpreendente. mas disso falarei num próximo episódio. inté, minhas gentes.

Tuesday, November 14, 2006

budapeste

como uma celebração do Homem,
os edifícios erguem-se, em desafio ou em potência.
sólidos e bravos, apontam aos céus, em cada bloco de pedra, em cada anjo talhado,
a força e a maestria nossas.
numa curva do danúbio,
numa folha esmaecida que baila a dança do adeus,
até um chão já repleto de outras,
amarelo e outonal. aqui, canta-se o outono. aqui, dança-se a ascensão.
como num paradoxo suave,
percorrem-se as arestas, impunemente, solenemente.
um labirinto faustoso,
as águas que correm
no leito do rio
e nos brilhos que pairam, nos brilhos que sopram, nos brilhos que passam no ar.
do alto, do cimo, a visão da concretização.
a visão da possibilidade.
o real.
figuras de força, em esforço pétreo.
a beleza e tudo o que conseguimos, espraiado à nossa frente, dado, nosso.