número 72
os dados foram lançados na mesa. o último ainda rodopia, entre o seis e o dois, as pintas às voltas, como pontos finais numa corrida louca, o vencedor a fechar a frase. passei-te as cartas, para que as baralhasses, todos os naipes nas tuas mãos, imiscuem-se uns nos outros, confundem-se e desaparecem à vez, sob as tuas mãos peritas. os olhos, esses, mantém-los em mim, nos meus, fixos, amedrontados. o jogo está do teu lado, o meu rei branco, periclitante na palma da tua mão, a lâmina pronta-a-descer, a cabeça pronta-a-saltar. como se fosse, eu também, um peão nesse tabuleiro, uma dama vulnerável, uma torre robusta, ou a ampulheta que dita o fim do dito (o fio de areia a escorrer em mim, eu a esboroar-me, a corroer-me, a desabar, feito em nada). como um deus louco, necessariamente, sábio, escarneces de mim, lá do alto, ou talvez nem o faças, e o saber que o pensas é ainda mais doloroso. o teu sorriso esgota-se em fiapos de gozo e eu sou patético nos momentos em que me amas. nos momentos em que recordo esses instantes, em que me dei, como sempre me dou: aberto, receptivo e confiante, crente e ingénuo. o meu castelo de cartas tombou tão convictamente que, possível fosse, ter-se-ia fundido no chão, plasmando-se na superfície, descendo ao submundo, levando o meu ego com ele. o meu ego nesses jogos, apostado e perdido. num jogo de azar, não foi azar o que tive. a rejeição comeu-me, e continua a comer-me (um grama a cada segundo). xeque-mate.
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