a mão e o peão.

Friday, November 24, 2006

no meu núcleo

depois de uma aula de métodos sistémicos de intervenção, a minha cabeça acelera, as minhas concepções sobre o mundo, as relações humanas e a psicoterapia revoluteiam, como uma nascente de lava havaiana a borbulhar.
o eclectismo puro assusta-me. provavelmente, é porque sou um mero iniciado à arte da terapia, e um modelo forte e seguro (que cubra situações específicas, sem dúvida: a universalidade é-me total, e intrinsecamente, inapelativa), no qual apoiar as minhas assumpções, puxa-me mais a atenção. acredito (como diz o professor luís miguel neto - prova - para mim - de que as primeiras impressões e os mitos académicos não são de tomar em conta) que para progredir, para nos expandirmos na compreensão do ser humano e das suas problemáticas, é necessário, primeiro, cerrarmo-nos numa orientação teórica, compreendermo-la totalmente, aplicarmo-la, para que depois possamos estender os óculos com que olhamos para a realidade, expandir os significados, atentar noutros aspectos.
no entanto, surgiu-me, durante a aula, uma questão que me perturbou (tanto que nem a consegui formular à turma - no ambiente mais informal, amigável e, até, amoroso em que já estive, academicamente falando): é possível, um eclectismo puro? uma integração equitativa de várias correntes psicoterapêuticas? at the end, estamos a falar do mesmo objecto do conhecimento, o ser humano: tenho para mim, que as diferentes concepções mais não são do que construtos de uma realidade específica de nós, que se interliga, ou cruza, ou radica, ou causa, outras realidades, patentes noutros construtos, de outras orientações. ou seja, que, no fim, todas estão correctas na sua especificidade e todas estão erradas na sua assumpção de globalidade e universalidade. o que é corroborado pela investigação científica em torno da psicoterapia, e dos seus resultados, que mostra que o que é relevante na situação terapêutica é a formação de uma aliança cooperativa entre psicólogo e cliente, mais do que a orientação teórica deste.
eu sei que conseguia encontrar pontos de interesse e de identificação em todas as orientações teóricas. conheço-me o suficiente para saber que, estivesse eu noutra variante, defendê-la-ia e identificar-me-ia com ela, assim como defendo e me identifico (com) a variante em que estou.
mas será que, engrenando numa orientação, será possível, depois, descentrarmo-nos a tal ponto em que podemos considerar-nos integrativos? não terá de haver sempre uma concepção forte, uma base à qual se vão acrescentando ideias, conceitos, construtos? houve quem defendesse que o respeito pelas ideias dos outros (todos somos humanos, logo, as ideias de todos nós, terão de ser validadas pelos outros) obrigava a que não houvesse uma teorização preferida: indicando, portanto, uma noção de superioridade de uma ideia às outras. discordo. mais uma vez, creio que isso é universalizar o que não é universável. sim, somos seres humanos, sim, devemos ter os mesmos direitos, não, não somos iguais. numa determinada pessoa, num determinado problema, num determinado sistema, para uma determinada solução, haverá concepções melhores, mais adequadas e mais frutíferas. preferi-las, não rejeitando radicalmente as outras, mas integrando-as nesse tronco, parece-me aceitável e benfazejo.
anyway, foi só uma coisa de que me lembrei.
outro dos assuntos em debate foi o preconceito. o preconceito em psicoterapia. qual é o lugar do preconceito? poderá ser eticamente permitido ao psicólogo ter preconceitos? não devíamos ser perfeitos e tolerantes, sempre com palavras apaziguadoras? o que é o preconceito?
etimologicamente, a palavra aglutina duas ideias: pré e conceito. aparece pela primeira vez escrita em português, no início do século XIX. a sua correspondente em castelhano, a nossa língua irmã, é prejuício, que se encontra relacionada com a palavra prejudicial. poderíamos, pois, antever, que preconceito não é um termo positivo, ou, por outras palavras, que a acção que representa, poderia ter um efeito negativo. de facto, preconceito e prejuício indicam uma ideia, ou uma atitude, prévias a um conceito ou a um juízo, ou seja, prévias a uma análise cuidada e articulada de algo. poder-se-á, portanto, aplicar a uma atitude ou disposição baseada num estereótipo, mormente negativa, em relação a um grupo humano. tratando-se de uma generalização abusiva, tenderia a gerar comportamentos de discriminação, pela atribuição de supostas características globais de um grupo aos seus membros individuais. obviamente, este fenómeno cumpre um objectivo na nossa cognição: entender-se-á que é mais económico e confortável possuirmos um pré-conceito que nos permita categorizar um indivíduo a partir da sua pertença a determinado grupo assim que o saibamos, por oposição a uma categorização individual e partindo da completa ignorância para cada ser humano com que nos deparamos diariamente. isto porque, como se sabe, gostamos, necessitamos, de dar nomes aos bois - de categorizar, nomear, "compreender" - mesmo que seja uma categorização, nomeação ou compreensão desadequadas e incorrectas - é mais confortável do que a não-categorização. na impossibilidade, ou dificuldade, cognitiva de uma juízo apurado e meticuloso de cada pessoa, contentamo-nos com estes preconceitos. e isto é humano e humanamente inerente.
agora, conhecendo os mecanismos deste fenómeno, não terá o psicólogo a responsabilidade ética de fintá-los e livrar-se dele? impossível. o psicólogo é um ser humano e, como tal, é-lhe impossível não ter preconceitos - sobre as mais varíadissimas e pequeníssimas coisas. os preconceitos têm de ser acknowledged (é vergonhoso, mas não me lembro do termo correspondente em português - é o (possível) resultado de toda a nossa bibliografia ser em inglês) pelo psicólogo e, como postulou gianfranco cecchin (um terapeuta familiar italiano, da escola de milão), pelo cliente: os preconceitos de ambos (obviamente, aqueles que concernem à situação terapêutica) deverão ser discutidos, as suas possíveis consequências e formas de as evitar, encontradas. só na aceitação e no debate franco destas temáticas, o seu potencial daninho se poderá minimizar.

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