a mão e o peão.

Monday, May 28, 2007

outrem#2

já marquei a viagem.
o piano começa, agora, a tocar. parecem gotas de chuva (daquela grossa e que quase parece morna, quando o dia se esvai e a esperança com ele), as notas que saltam. resvalam e deslizam nos ecos do meu pensamento. não é fácil manter a concentração, fazer as malas e os telefonemas, escolher as calças que levo, reunir os papéis importantes. quão vão e prosaico me parece tudo isto.
volta atrás. diz que, afinal, é, sim, é a mim que queres e que o meu riso te faz acordar, mesmo quando já estás acordado, e te faz sorrir como se estivesses a despertar numa cama de lençóis brancos, num campo de trigo, dourado, espraiado ao sol, borboletas esvoaçam e os grilos, animados, cantam as suas asas de papel.
abro a mala. vazia. e, em vez das calças, das camisolas, das meias, quero meter-me a mim lá dentro. correr o fecho e ficar assim, aninhada, encolhida, em mim. talvez, assim, este vazio que sinto se preencha, se me espremer muito pode ser que encontre com que fechá-lo, carnes que o cerrem, forças que o invadam. ao vazio. à mala.
no vidro da janela, a chuva toca. na minha cabeça, a latejar, o piano toca. dentro em breve, vou correr. não vou fugir. vou perder-me - mesmo antes de me encontrar. a mala, pesada, cheia. o meu coração, pesado, ...

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