a mão e o peão.

Tuesday, June 19, 2007

nostalgia

já sei de cor o aviso no placard do rés-do-chão, ameaçadoramente pedindo aos inquilinos que não façam barulho nas escadas depois das onze da noite (e, de alguma maneira, sinto que o pedido está endereçado, principalmente, a nós, boémios e infames estudantes estrangeiros). já sei de cor o ruído da minha chave com o porta-chaves da nova zelândia, na fechadura da porta do prédio. sei de cor a curva, depois da farmácia, onde fui uma vez pedir xarope para a tosse sem saber como se dizia tosse em espanhol. também sei de cor a padaria onde se vendem barras. sei de cor o botão no elevador, com o algarismo 3 estampado. também sei, como sei, que a porta da nossa casa está mesmo ao lado, é só virar à direita quando sair do ascensor.
sei de cor a cor da blusa da nô, inclinada sobre o balcão da cozinha (à esquerda, assim que se entra), a cortar postas de seitã ou a roubar umas bolachas ao armário. sei de cor o plástico dos chinelos do giorgio que vem, agitado, a compor a melena de cabelo que lhe cai à testa, ver quem chega. sei o tom com que diz hola. sei como se faz o sorriso da nô quando me vê. sei como se cerram os seus olhos quando me beija. sei o caminho para o meu quarto - atravessa-se a sala, entra-se na porta à esquerda, primeira porta à direita (não há que enganar). sei a porta que dá para a varanda, a luz difusa que entra por ela, o cobertor branco e fofo - parece uma nuvem! sei de cor os individuais que pomos na mesa para comer, são azuis e estão sempre gordurosos. sei de cor o comando da televisão que nunca vemos, excepto o giorgio que delira com os simpsons a falar castelhano e com o valentino rossi a dar voltas estúpidas de mota num circuito qualquer. e que teima comigo como é que se chama o circuito português como se ele é que fosse português e falasse português. que teima comigo como é que se diz xarxa, quando eu é que fiz um curso de catalão. que teima comigo quando... enfim!
sei de cor a cor da tijoleira da varanda e a dos cortinados periclitantes que nos protegem de olhares alheios.
sei de cor o poster amarelo da uma thurman com a sua espada e da audrey tautou, numa cama vermelha. até sei de cor as dedicatórias tarantinescas que escrevemos no primeiro. sei de cor os postais na parede (que colei com tanto entusiasmo) e o mapa de barcelona estirado, marcado, remarcado, vivido, sonhado.
sei de cor as cócegas que faço à nô. sei de cor as madrugadas a amanhecer, as canecas de leite e as bolachas maria afogadas nele. sei de cor tudo isso. e, creio, sabê-lo-ei para sempre.

4 Comments:

Blogger Kokas said...

Quando sabemos já tanta coisa de cor, é melhor partirmos à aventura! :)

Aquele abraço!

June 19, 2007  
Blogger Leonor said...

vou imprimir este texto e guardá-lo junto do coração. porque também eu sei de cor, mas às vezes tenho medo que, de tanto repetir estas recordações, elas deixem de me fazer sentir mais do que uma leve saudade difusa. que se transformem apenas em imagens, em instantes congelados na memória sem sentimentos associados. tenho muito medo..

June 19, 2007  
Anonymous Anonymous said...

E sei de cor o teu sorriso a recordar cada um desses momentos...

Não era a minha casa, mas não ficava muito longe; como não ficam longe do meu coração, essas memórias (sim, porque também eu embirrava com a teimosia do Giorgio :P)

Desculpa entrar assim nas tuas memórias, mas de tanto entrar na vossa casa, como se fosse a minha, acabo por me confundir...

Sei de cor a amizade que ficou!

June 20, 2007  
Blogger tiago said...

guigui> também sei de cor as tuas calças azuis, o teu casaco branco atado à cintura e as tuas tijelas de arroz, alface, tomate, pêssego e o que mais coubesse. ou pensas que não fazes tanto parte das memórias como eles? :)

June 21, 2007  

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